A queda de uma criança do 5º andar de um prédio no Rio de Janeiro, deixou em evidência o debate sobre a questão do abandono de incapazes, pois segundo a polícia pai e mãe foram autuados, já que a menina Rita de Cássia, de 5 anos, foi deixada sozinha em casa. Segundo determina o art. 133 do Código penal:
Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:
Pena — detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos.
§1º Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena: — reclusão, de 1(um) a 5 (cinco) anos.
§ 2º Se resulta a morte:
Pena: — reclusão de 4 (quatro) a 12(doze) anos.
§ 3º As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
I — se o abandono ocorre em lugar ermo;
II — se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.
III — se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos
Os pais deixaram a criança cair por descuido, não tiveram a intenção de matar a filha. Com toda a certeza nenhuma mãe ou pai deixariam de sofrer, e muito, pela perda de seu filho (a não ser aqueles que agissem com dolo, e mesmo assim muitos se arrependem amargamente depois do delito). Trata-se de crime não intencional (culposo), que admite o chamado perdão judicial, ou seja, o juiz analisa o caso, reconhece o crime assim como a culpabilidade do agente, mas em seguida concede o perdão judicial (Código Penal, artigo 121, parágrafo 5º), julgando extinta a punibilidade.
O fundamento principal para a concessão do perdão judicial, nesses casos, é o seguinte: os pais, com suas condutas, já sofreram o suficiente diante da sua própria negligência. Eles experimentam uma espécie de "pena natural". Quando o fato, pelas suas conseqüências, atinge os agentes de forma grave, a pena se torna desnecessária; cabe ao juiz, nessa situação, deixar de aplicá-la. Qualquer sanção estatal seria pura expressão de desumanidade e de desproporcionalidade. Isso significa, na vida real, que o agente sofre uma dupla punição: a primeira decorrente do seu próprio ato (perda de um filho); a segunda consiste na obrigatoriedade de responder a um processo criminal que, por si só, já constitui um sério constrangimento.
Aqui reside um ponto em que o processo penal está totalmente defasado em relação ao direito penal. Se o direito processual penal é instrumental, ou seja, se ele serve (primordialmente) para a aplicação do direito penal, não há dúvida que o Parlamento brasileiro deve atualizar o Código do Processo Penal nesse ponto, para permitir, já no limiar da ação penal, que o juiz, de plano, reconheça o perdão judicial. É excessivo e desproporcional compelir o agente, que já foi punido pelo próprio fato, a se submeter a um longo, penoso, degradante e desnecessário processo criminal.
SIDNEY SIQUEIRA